segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Cap. 1 >>> Começo


Tudo começou há algum tempo, quando eu ainda estava no segundo grau e sonhava em cursar a faculdade de veterinária. Eu fui criada em uma fazenda, não era uma vida glamorosa e agitada, na verdade, eu queria sair da minha pacata cidadezinha do interior, para fazer o segundo grau na cidade, Aurélia. Naquele dia fiz minha primeira promessa, ainda me lembro muito bem...
- Mãe! Pai! – entrei de sobressalto na cozinha aos berros, após terminar de arrumar minhas coisas.
- Quem morreu minha filha! – respondeu minha mãe que chegara com os olhos saltados na cozinha e uma respiração muito ofegante.
- Se acalma Luzia! E você desembucha Cléo – meu pai era sempre assim, direto, sensato e protetor.
- Bom eh... Eu decidi que vou mesmo para a casa da comadre eu sei que ela disse que ainda dá tempo de me matricular na escola!
- Ah, minha filha a gente já não tinha te falado que para a vida na fazenda o primeiro grau é mais do que o bastante? Além do mais você sabe que eu preciso muito de você para me ajudar.
- Cléo, é isso mesmo que você quer? – falou meu pai com um tom de fim de conversa – por que se for não sou eu nem sua mãe que vamos atrapalhar seus sonhos, mesmo que você vá fazer mais falta a nós do que imagina!
Me senti como se estivesse mandando meus pais para o abate.
- Gente, por favor, não vou embora para sempre! Eu só quero estudar mais sabe... Eu prometo a vocês que se tudo der certo vou terminar o segundo grau e me tornar uma veterinária, vou cuidar melhor de nossa fazenda e também vou ser muito útil aqui na região!
Vi os dois trocarem olhares e assentirem. Respirei aliviada, suas aprovações me eram essenciais. Sabe me vejo muito nos dois, fisicamente pareço muito com minha mãe a julgar por dois elementos chave, a cor de mel dos olhos e o cabelo preto escorregadio. Mas a minha altura e o meu tom de pele amorenado são de meu pai, quanto ao gênio – não consigo deixar de rir sozinha quando penso nisso – sou tão cabeça dura e determinada quanto meu pai, mas com um toque explosivo vindo de minha mãe.
Mas eu estava falando mesmo era da promessa, ou melhor, de promessas! Elas me assombram até hoje, e foram tantas! Não consigo deixar de me imaginar em meus pesadelos como uma irremediável descumpridora delas – Assim, parti para a capital ainda centrada em cumprir minha primeira promessa.

Cap. 2 >>> A capital



Aurélia era cinza, nunca encontrei melhor forma para descrevê-la. Não tinha o calor, os perfumes e, principalmente, a variedade de cores do campo a salvo seus letreiros e outdoors. Lembro-me de ficar bestificada com a correria e como as pessoas não se conheciam, apenas passavam, como se tudo fosse tão importante que as impulsionasse a andar ou em muitos casos praticamente correrem.
Minha mãe tinha uma “comadre” na cidade e ajeitou as coisas para que eu morasse com ela, eu não me sentia exatamente à vontade com a idéia de morar com alguém que eu nem conheço, mas o ano letivo já começara a um mês e eu precisava entrar logo na escola senão perderia o ano.
 Na rodoviária pedi informações para qual saída me levaria à avenida principal, depois deveria seguir até o shopping chamado “Central”, tenho que confessar que nem imaginava como ele era eu só sabia que existia – me senti envergonhada por isso e percebi que ainda tinha que aprender coisas de mais naquela cidade. Essa avenida era larga, os carros passavam sem parar de um lado para o outro, e havia tantas lojas, bares e restaurantes. Andei com minha mala pesada, eu levava apenas o que tinha de roupa, ou seja, quase nada! – A vida no interior nunca exigiu que eu fosse uma seguidora ávida da moda – na mala eu levava também pertences pessoais, roupas intimas e meu único par de chinelos, um par de tênis e uma bota.
Algumas pessoas me olhavam com uma cara estranha – talvez por que eu fosse uma pessoa que não combinava em nada com o ambiente – cheguei à frente do tal shopping e me senti bestificada, sua fachada era de vidro e enorme, julguei que ele tivesse uns três andares...
Entrei e fui seduzida pela diversidade de cores, de lojas, de produtos, mas, olhei o relógio e verifiquei que já estava atrasada há meia hora e me afobei. Corri para o segurança mais próximo e o perguntei onde ficava a loja “Som & Cia” corri até lá arrastando a mala no piso impecavelmente brilhante, ela fazia um barulho escandaloso, agora sim muitas pessoas me olhavam.
Cheguei à loja e fiquei olhando para todo mundo ao redor à procura do filho da comadre Vera que ia me buscar lá. Olhei para um rapaz, mas ele pareceu antipatizado, olhei para o funcionário mais próximo e ele se limitou a dizer:
- Você está se sentindo bem? – eu devia mesmo estar com uma cara de assustada e angustiada ao mesmo tempo, até sentia minha boca seca e meus olhos saltados, sem falar na respiração ofegante.
- Eu estou bem, obrigado.
Foi nesse momento que um rapaz de cabelos rebeldes e ar gozador retirou o fone de ouvido e virou-se para meu lado.
- Ei! Tudo bem linda? – perguntou com ar intimidador.
- Oi, você é o Lucas? – arrisquei.
- Não! Quem é esse doido?
- Quem disse que ele é doido?
- Aff! É só um jeito de falar, em que mundo você vive hein?
- Com certeza, não é no mesmo que você. – fui saindo para procurar um orelhão e ligar para minha mãe, ela saberia o que fazer.
O rapaz correu para fora da loja rindo e começou a me acompanhar.
- Por acaso você sabe para onde está indo? – perguntou.
- Sei sim!
- Que bom! Então a gente se vê em casa, tchau!
Ele saiu andando na minha frente, levei um minuto para entender o que ele tinha me dito e saí correndo atrás dele.
- Ei! Espere. – supliquei.
Ele parou e me fitou nos olhos com um ar despreocupado.
- Oi! Meu nome é Otávio e o seu?
- Cléo.
- Ah! Então acertei é você mesmo!
- Eu o que?
- Sou filho da Vera e você é a caipirinha linda que vai morar lá em casa não é?
- Caipirinha? Nossa que educado é você hein? Mas não era o Lucas que ia me buscar? – perguntei desconfiada.
- Era, mas, ele nunca faz o que o mandam, além do mais ele está viajando com o pessoal do time.
- Ah, ele joga bola?
- Sim. É do profissional.
- Ah tá. – respondi sem interesse, estava apenas tentando manter um diálogo.
- Aqui, eu poderia me oferecer para levar sua mala, ela parece estar pesada, mas eu não quero passar vergonha, então! Você vai sobreviver até chegar lá em casa?
Olhei para ele sentindo-me furiosa. Além de bobo e mal educado ele também era grosso. Que raiva!
- Não, tá tudo bem! Eu não sou fresca! – fiz questão de provocá-lo, para quem sabe ler um pingo é letra.
 - Falou!
É pelo visto ele não sabia ler era coisa alguma.
Pegamos um táxi na porta e fomos direto para a casa de Vera, eles moravam a dez minutos do shopping – me perguntei se a distância exigia mesmo um deslocamento que não fosse caminhando – Lucas estava novamente com seu fone no ouvido e cantarolava uma canção distraidamente, embora de vez em quando eu sentisse seu olhar pousando em mim com interesse.
Paramos em frente uma bela casa colonial, a casa era de um tom alaranjado berrante com janela e portas brancas, apesar do contraste o telhado também era de telhas claras o que tornou a casa incrivelmente charmosa. Antes de entrarmos na casa Vera já saíra na porta para me receber cordialmente, me assustei – não de um modo ruim, foi mais como um tipo de surpresa muito forte – ela não tinha um ar maternal como o de minha mãe, ela tinha uma postura jovem, uma pele incrivelmente delicada cor de jambo. Eu sabia que as pessoas morenas envelheciam mais demoradamente, mas o que me chamou a atenção para ela eram seu ar descontraído e sua postura confiante. Ela estava usando um jeans, uma blusa de ombros caídos num tom de verde e seus cabelos tinham um corte curto, porém sexi e moderno.
Vera veio andando com um lindo sorriso aberto, me abraçou e deu uma espécie de tapa na cabeça de Otávio para que ele pegasse minha mala – senti um enorme sorriso maléfico se desenhar em meu rosto.
- Fez uma boa viaje querida? – perguntou-me.
- Sim, sim! – engasguei, e ri sem graça – Muito obrigado por sua hospitalidade, eu sei que deve ser muito ruim ter um inquilino desconhecido.
- Bom... Se fosse uma desconhecida sim, mas você não é. Você é parte de minha família também, err, eu sou uma espécie de tia para você.
- É mesmo? – perguntei meio incrédula, nunca entendi mesmo como funcionam essas relações de compadrio.
- Claro Cléo! Sua mãe nunca lhe explicou que teve uma irmã adotiva???
- Ela comentou, mas nunca falou definitivamente em seu nome. Acho que é por que eu nunca a perguntei muito sobre sua família. – fui logo me desculpando por minha mãe.
- Não precisa se desculpar querida, na verdade não é por culpa dela, sempre nos falamos ao telefone. É mais por força do hábito, eu quis sair de casa muito cedo para vir morar com meu esposo na cidade, seus avós me achavam moderninha demais. Queriam que eu me casasse e que continuasse a morar no interior, bati o pé e arrumei minhas coisas para sair, no fim minha rebeldia foi confundida com ingratidão e meu pai proibiu sua mãe e minhas outras irmãs de falarem meu nome ou até mesmo de falar comigo.
- Nossa! Eu não sabia disso.
- Mas não se preocupe a única pessoa que realmente continuou a se virar para falar comigo foi sua mãe, ela também aproveitava para mandar notícia para sua avó que quase morrera de desgosto – não comigo sabe, mas com a situação – ela apenas me alertava “o amor pode ser perigoso minha filha”, você é jovem Cléo, deve conseguir me entender.
Viajei por um instante, eu não conseguia a entender de todo, afinal eu tinha apenas 16 anos e nunca havia me apaixonado até então, esse sentimento ainda me era desconhecido.
- Não é mesmo querida? – ela perguntou.
- É claro! Posso lhe fazer uma pergunta Vera?
- Pode sim, não há segredos.
- Você se arrependeu?
- Nem por um instante! Sempre fiquei muito infeliz pela ignorância de seu avô, mas, a vida com meu marido e filhos sempre representou uma recompensa maior.
Otávio que vinha lá de dentro com uma cara carrancuda e impaciente quis saber se nós duas íamos ficar paradas como estátuas na soleira da porta conversando sem parar.
- Além do mais, você é uma péssima mãe! – riu – eu estou morrendo de fome merda!
- Olha essa boca menino! – xingou Vera.
Eu já me sentia a vontade, e ri descontraidamente com os dois. Entramos e fiquei mais impressionada ainda com o que vi, a casa era mesmo enorme e, simplesmente linda! Senti-me meio miudinha no casarão, a casa da fazenda era grande, mas não tão chique delicada e charmosa como essa.
Subimos à escada, passamos por uma sala de TV muito aconchegante, com tapetes e pufes sem falar é claro na big TV. Andamos por um corredor com algumas portas até chegarmos ao que, segundo Vera, seria meu quarto.
- Querida, este aqui vai ser seu quarto daqui para frente OK? Quero que fique a vontade e espero que goste da decoração que fiz! – intimidou-me Vera.
Fui entrando no quarto e não acreditei, era da minha cor preferida, todo lilás. Havia uma cama de casal com cabeceira baixa na cor branca, uma estante para livros na parede lateral, do outro lado uma cortina clara cobria uma janela enorme e uma porta de vidro que dava para uma sacada. No quarto ainda tinha uma mesa com um computador conjugado com uma escrivaninha, seguindo ao lado da cama havia um vão que dava acesso a um closet e a um banheiro.
- Nossa Vera! É tudo tão lindo, muito obrigado mesmo nem tenho palavras, é mais do que perfeito! – gaguejei.
- Pode me chamar de Tia e, não precisa ficar agradecendo, sei que sua mãe faria o mesmo para qualquer um de meus meninos. – ela riu descontraidamente fazendo o ambiente se tornar incrivelmente leve e familiar – Vou deixar você sozinha, se acomode e se quiser tome uma ducha quente. Tem toalhas limpas no armário e caso queira descansar um pouco também tem roupa de cama lá.
Ela se retirou e me deixou ali, ainda com cara de criança que acaba de provar do doce mais gostoso do mundo! Respirei fundo e me joguei na cama, senti minha cabeça girar como o som de uma canção contagiante. Levei até o armário minhas roupas surradas me despi e fui tomar um banho relaxante. Vesti um roupão e fui verificar a penteadeira, Vera, quer dizer, Tia Vera era mesmo indescritível, ali havia secador de cabelos um monte de maquiagens que nunca tinha nem sonhado em usar, além de cremes de corpo e outras parafernálias de meninas da cidade, entrei para o chuveiro e viajei... Deixei que meus pensamentos vagassem sem rumo simplesmente sentindo as gotas d’água percorrer meu corpo nu.
Saí do banho vesti um vestidinho leve e decidi me aninhar na cama um pouco, foi então que o inconveniente do Otávio entrou de supetão sem bater na porta me dando um baita susto! Ele se divertiu com minha cara de bicho encurralado e me chamou para descer e jantar.
O jantar discorreu de forma agradável, da mesma forma que os dias seguintes. Tia Vera me contava coisas de sua vida como, por exemplo, quando seu marido faleceu em um acidente de carro voltando de uma reunião onde apresentara um projeto de um complexo governamental realmente revolucionário. Ele era engenheiro, e quando se foi os meninos ainda eram crianças, mesmo não tendo problemas financeiros foi uma fase muito difícil para família.
Seu filho mais velho, Lucas, passava apenas alguns dias espaçados em casa, era um rapaz muito simpático, de olhos muito vivos e físico definitivamente atlético, mesmo sem nenhum interesse não pude ignorar o fato dele ser muito bonito e, diferentemente do indelicado Otávio, ele era muito agradável. A simpatia entre nós foi imediata, assim era muito bom quando ele estava em casa, embora quase sempre falássemos de esporte – coisa que eu nunca tive afinidade – eu gostava dos papos, e de ir com Vera e com Otávio assistir seus treinos e jogos. Nós nos tornamos amigos rapidamente, para o desespero de Otávio que se enciumava como se tivesse perdido um último aliado disposto a me sacaniar juntamente com ele.

Cap. 3 >>> Novata


 No fim das férias eu e Vera fomos fazer minha matrícula, depois passamos no centro para comprar meus materiais e as primeiras bibliografias indicadas para o ano letivo. Foi um dia muito divertido, até Otávio estava mais presente e radiante.
- Nossa caipirinha, você vai mesmo ler esses livros gigantes? – falou.
- É! Rs rs Eu nunca tive problemas com a leitura, só espero que estes livros não me façam perder o gosto de ler.
Rimos e pela primeira vez parecia que pensávamos a mesma coisa, passeamos mais, e Vera nos abandonou, pois tinha um encontro com um novo casal que contratara seus serviços de designe de ambientes e paisagismo. Nós dois ficamos na praça de alimentação.
- Cléo, posso te fazer uma pergunta, séria mesmo? – eu podia apostar que Otávio tramava algo.
- Claro que pode se não for nenhuma brincadeira idiota.
- É que eu estava realmente curioso se você vai para a escola usando as roupas que tem, quer dizer as que costuma a usar sabe?
- Por quê? O que tem de errado com elas? – senti meu rosto pegar fogo.
- É que tipo assim, na boa, minha opinião de homem – estranho, eu não o enxergava definitivamente como um “homem” e nem percebia que ele tinha opiniões a meu respeito – essas suas roupas são muito sem graça, não realçam nada em você, sabe você fica meio invisível nelas.
- Como assim? – eu quis logo saber.
- Sei lá, você é até legal, mas essas roupas não mostram esse seu lado, fazem você parecer uma simples pessoa deslocada e sem opinião.
Troquei um olhar vago com ele por alguns instantes – foi aí que notei que ele também tinha os olhos azuis brilhantes e incrivelmente vivos como os de seu irmão – ele baixou a cabeça e voltou a devorar seu Big Mac enquanto eu me recuperava do susto. Não somente pelo que ele disse das roupas, mas pelo fato dele ter dito.
Imaginei-me em minhas roupas e percebi que ele estava certo, na verdade eu nem me preocupava com essas questões de roupa, pois, no interior o que eu precisava vestir era algo refrescante que me permitisse desenvolver meus trabalhos árduos do dia-a-dia.
Foi então que Otávio voltou ao normal.
- Você vai ser a novata pegada para cristo, você vai ver! – e riu de forma constante e maliciosa.
- Ai, ai, nem me fala, aposto que se você estivesse na minha turma ia ser o primeiro a me atazanar!
- Na verdade eu estou até com um pouco de ciúme de você sabia? – perguntou-me.
- Eu?!? –engasguei, literalmente.
- É por que o único que pode te zoar até a morte sou eu, e lá você vai arrumar pretendentes à minha altura para essa tarefa – apesar da afronta, nem eu mesmo pude deixar de rir desse comentário.
Voltamos para casa e eu só pensava nisso, depois fiquei tão ocupada com o fato de ter apenas uma noite para me preparar para aula que parei de me preocupar com essas bobagens.
Minha tia e, minha mãe ao telefone, se ocuparam em me passar milhares de orientações, coisas do tipo: “Não vá se envolver em más companhias”, “não aceite bebidas de estranhos”, “não use drogas”, “não mate aula”, “não tenha vergonha de tirar suas dúvidas”, “fique de olho em tudo e todos...” Nossa! Até parecia que eu estava no presinho novamente. Então quando chegou o primeiro dia de aula eu estava realmente contente por poder sair e ignorar todo o falatório.
Acordei bem cedinho e iniciei meu “ritual” de preparação – agora sim eu estava realmente apavorada com o fato de não ter o que vestir – acabei decidindo em ir com meu shortinho surrado, meus tênis incrivelmente empoeirados e uma blusinha meio transparente de florzinhas. Quando olhei no espelho eu mesma percebi que minha imagem anunciava a quilômetros “olha a caipirinha, olha a caipirinha boba passando” senti todos os pêlos do meu corpo se arrepiar de tensão.
Depois do café da manhã ficou decidido que o Otávio me levaria, pois marcaria presença e verificaria onde nos encontraríamos na saída, já que ele estava no terceiro ano que era de manhã e de tarde ele trabalhava. Chegamos cedo, ele insistia que iria me levar até a sala de aula, mas fiquei me sentindo extremamente desajeitada e sem graça e, optei por sofrer sozinha.
A escola era enorme, cada prédio correspondia a um ano, as pessoas passavam apressadamente. Passava gente com cara de assustada – como eu, por exemplo – outras pessoas reencontravam amigos após as férias, faziam muito barulho, olhavam com uma cara irônica para os novatos e tratavam de passar a mensagem “aqui jaz um aluno veterano na escola!” mesmo assim segui meu caminho até um dos últimos prédios.
No corredor havia um quadro que indicava a turma e o número da sala. Segui até a sala 1AT1 (1º ano, turma 1 ) cheguei à porta e todos que já estavam na sala viraram a cabeça assustados para a porta.
- Aqui é a turma do 1º ano? – consegui criar coragem para perguntar.
- É sim! – respondeu uma menina loira, de cara entusiasmada e proporções corporais mínimas.
Sentei-me ao lado dela nas carteiras do “fundão”, corri o olho pela sala, havia pessoas de todos os estilos e tamanhos, apenas uma coisa era igual em todos, a inevitável cara que divulgava, “olha carne nova” no pedaço.
De repente um homem de cabelo grisalho entrou de forma furtiva na sala, espalhou seus livrões com um estrondo na mesa fazendo com que todo mundo se assustasse.
- Vocês acham que sabem de alguma coisa da vida? Não sabem é nada, tudo se aprende aqui e o que não se aprende... Bem isso é que vai “ferrar” você no futuro – falou num tom assustador.
Eu já comecei a me perguntar o que eu estava fazendo ali, uma onda de suor invadiu meu corpo – e creio eu o de meus colegas também – quando por fim ele começou a rir e pediu que abríssemos o livro de biologia no capítulo II.
A aula foi se passando em meio a uma conversação geral, pelo visto ele estava incentivando a interação da turma, comigo, pois, segundo ele, eu precisaria entrar em algum grupo de trabalho na sala.
Quando o sinal soou, eu já estava exausta, cansada de responder perguntas e parecer interessada, embora tivesse conhecido três pessoas realmente ótimas. Em meu grupo estava a loirinha animada, Carla, um gordinho muito inteligente e educado chamado Gustavo e uma “musa” de cabelos longos e cacheados, olhos grandes e um corpo de dar inveja, o nome dela era Morena – lembro-me de achar engraçado e ter pensado que fosse apelido, mas ela realmente se chamava Morena Mel de Assis.
Caminhamos em grupo até o refeitório que era dos alunos do primeiro, segundo e terceiro ano. No caminho parei para ir ao banheiro e fiz a besteira de dizer aos outro que podiam ir à frente, depois que saí do banheiro segui por um pátio longo e vazio comecei a andar rapidamente, ouvi um barulho atrás de mim fui olhando e andando quando de repente “poft” bati de cara no peito de alguém. Um garoto alto que olhou nos meus olhos como se me analisasse, enquanto eu perdia o fôlego, ele era indescritivelmente maravilhoso, alto de pele clara, olhos castanhos, cabelos meio grandes bem ao estilo Inglês, daqueles que a gente só vê em filmes, em resumo um verdadeiro “Deus Grego” – bom, pelo menos foi assim que Vera descreveu para mim um homem desse tipo que ela vira no centro outro dia.
- Um... Novata, bonita, mas sem sal, roupa de quem veio do interior e sem dúvida louca!
- Bom, não entendi o porquê da louca – me aventurei.
- Mocinha, mocinha, a escola não é um paraíso, é um lugar perigoso também, onde não se deve andar sozinha, ainda mais nesse pátio. As pessoas aqui são como vocês costumam a dizer “barra pesada”.
- É então eu acho melhor eu ir andando não é!– falei feito uma boba assustada.
- Olha, você deu sorte que estou bem receptivo hoje, vou fazer o seguinte te levo até o refeitório e você nunca mais me dá o trabalho de ter que te salvar de meus amigos ok?
- Obrigado – sussurrei.
Enquanto eu parecia mais tropeçar do que caminhar, ele andava tão suavemente que parecia flutuar, mas olhava sempre para os caras que se precipitavam para levantar fazendo uma cara feia para eles em tom de reprovação, percebi que depois ele teria que se explicar para os outros.
Ele vestia calças jeans ligeiramente escorregadiças, uma blusa branca Hering com uma camisa xadrez aberta e de manga dobrada por cima. Eu olhava para o chão, mas podia perceber que ele ainda me analisava senti meu rosto pegando fogo e uma vontade louca de correr.
Quando chegamos ao refeitório meus colegas de grupo esperavam com uma cara tensa e preocupada, ele fez um aceno com a cabeça eu o agradeci.
- Mocinha, como é mesmo seu nome? – quis saber.
- Cléo.
- Então tá, não se esqueça da idéia que eu te dei falou?
- Pode deixar.
E me virei sem si quer ter coragem de abusar da sorte e perguntar seu nome, quando dei uma olhada rápida para trás ele já tinha desaparecido pelo pátio. Carla e os outros foram logo querendo saber o que tinha ocorrido, fomos almoçar e eu emiti o boletim completo ressaltando bem a parte do aviso que ele me dera, a única coisa que omiti foi que eu fiquei tão ofegante e totalmente deslumbrada com o “inglês” que até me esqueci do fato de que ele havia dito ser “barra pesada”.
O pessoal começou a conversar sem parar, e eu embora fosse às vezes muito falante também, ainda estava sem palavras pelo ocorrido. Estava sonhando com a possibilidade de reencontrá-lo.
- E então Cléo o que você acha disso? – perguntou-me Morena – Ei, Cléo você tá bem??? Tá meio distante...
- Ai gente, desculpa! É que eu estava viajando aqui, mas o que mesmo vocês estavam falando?
- Eu estava contando que algumas mulheres já desapareceram ou sofreram abuso aqui nos terrenos da faculdade, de época em época sai uma notícia desse tipo na TV. As pessoas sempre suspeitam que seja um funcionário ou aluno, mas a questão é que os casos sempre acabam na surdina mesmo – explicou Gustavo.
- É! Bom isso deve querer nos dizer alguma coisa! – falei.
- Como o que, por exemplo? – perguntava-me Carla com enormes olhos arregalados de medo.
- Que nós não sejamos bobas o suficiente para andarmos por aí sozinha como fiz hoje! rs rs rs...
O dia passou de forma agradável, conversamos, estudamos e na saída fui para o ponto de ônibus, pois, não tive como ligar e não encontrei o Otávio no local que combinamos. Fiquei ali mais de uma hora esperando e nada, foi quando veio um carro acelerando pra valer e parou no ponto cantando pneu.
- Nossa! Acho que você tem o dom de fazer “cagada” não é mesmo? – era o “deus grego” que eu conhecera mais cedo.
- Não entendi? Só por que estou no ponto de ônibus? – retruquei.
- Não! Só pelo simples fato de você estar num ponto de ônibus com horário especial, que só passa até as cinco e meia e agora já passam das seis e meia da tarde. Bom, acho que é por isso! – falou em tom de zombaria.
- Ai meu Deus! Como e que vou fazer, ninguém me falou nada – comecei a desesperar.
- Eu acho que você vai ter que passar a noite aí mesmo, e contar com a sorte para acordar amanhã...
-Tá falando sério??? – agora eu estava realmente desesperada!
- Claro que não! Se quiser eu posso te dar uma carona, mas... Já vou avisando eu não sei dirigir devagar, sou tipo “piloto de fuga”. Rs
Senti-me hiper nervosa e acabei rindo bastante também, mas achei melhor aceitar a oferta ou as coisas poderiam ficar meio, muito perigosas. Entrei no carro e me senti incrivelmente encolhida, o rapaz dirigia descontraidamente e de maneira realmente veloz – não que eu não estivesse gostando da adrenalina, mas sentia que precisava me agarrar desesperadamente a algo, tenho que confessar que o “puta que pariu” sofreu esmagado por mim nesse dia – mas foi uma experiência única, inenarrável!
- E aí novata parece que você tem mesmo um faro para confusão... Você veio de onde? – quis saber.
- Vim do interior, de uma cidade chamada Campo Verde – respondi sem muito entusiasmo.
- Hum e arrumou lugar para ficar aqui?
- Sim, na casa de uma comadre, err quer dizer na casa da minha tia.
- Ah! Entendi, e você veio fazer o segundo grau aqui por que acha que assim terá uma possibilidade de conseguir uma vaga na faculdade federal, acertei?
-Sim,credo! Como você sabia? Aliás! Eu nem sei seu nome!?
- Por que quer saber tantas coisas? Rs rs rs Estou brincando meu nome é Cauã e eu sabia por que estou no terceiro ano e tenho colegas que fizeram o mesmo que você na época.
- Nossa você é meio estranho mesmo e anda com o povo barra pesada – aquele comentário ridículo tinha saído da minha boca sem que eu percebesse.
- Então você acha que sou maconheiro, louco ou tarado? Acho que você não devia ter pegado carona comigo então!
- Ai! Desculpa não foi isso que eu quis dizer! Ah deixa pra lá, sou muito desastrada em meus comentários...
- Bom, vamos deixar assim eu sou o pirado e você é a santinha ok?
- Por que santinha?
- Você num tem espelho em casa não Cléo? Dá quase para ver a auréola na sua cabeça!
Nesse instante já íamos passando direto pela casa de Vera quando me dei conta e pedi para que ele parasse, pois havíamos chegado. Otávio já ia saindo para pegar o carro com cara de preocupado e afobado, ele ficou olhando o carro para ver se me via e veio caminhando devagar. Cauã viu e fez cara de quem não entendia nada.
- Hum... Por que você não avisou seu namoradinho que tinha perdido o ônibus?
- Que? – engasguei – tá louco? Ele é meio que meu primo, e estou morando na casa dele, a minha tia deve ter torturado ele por que eu estava demorando muito.
- Ah só! De qualquer jeito não quero dar satisfação a moleques, então falou pra você...
Otávio parou na porta do carro e bateu de leve no vidro. Eu abri a porta meio sem graça.
- Boa noite Cléo, tá tudo bem aí? – perguntou olhando para dentro do carro.
- Tá tudo de boa garoto, foi só uma carona! – o Cauã respondeu por mim.
 Empurrei de leve o Otávio e soltei um muito obrigado meio torto para o Cauã, bati a porta do carro e tive de encarar a estátua que estava bem na minha frente enquanto o carro saia cantando pneus. Otávio me metralhava com seus olhos azuis penetrantes, corei o rosto.
- Eu perdi o ônibus, não sabia que passava em horário especial.
- Aqui você não me deve satisfações, não ligo pro que acontece ou deixa de acontecer com você, mas como eu te levei pra escola pensei que se você sumisse seria culpa minha. Você deu sorte que minha mãe não tá em casa senão ela tinha ficado louca... Mas tenho uma idéia pra te dar, não sei o que passa na sua cabeça, mas aqui não é como no interior e os caras não são bobos, principalmente os que têm a pinta como a desse que te deu carona. Vê se não dá vacilo!
Nem tive o que responder ele realmente tava pirado comigo, saiu pisando duro passou pela porta e a deixou entreaberta. Passei pela soleira me sentindo péssima, eu não podia começar as coisas assim, por mais que não gostava dele eu fui errada.
Enfiei a cara no chuveiro sem pensar em nada, acabei o banho e me senti mais leve, já estava decidida em contar o que houve para tia Vera quando passava pela porta do quarto que eu nem sabia que era do Otávio e ele me chamou.
Seu quarto era muito legal, todo num tom de azul forte com um grafite em uma parede inteira com o desenho de seu time predileto – imaginei que fosse o mesmo no qual seu irmão jogava – o espaço era amplo cheio de coisas legais e por incrível que pareça muitos livros e parafernálias de musica.
- Aqui menina, foi mal ter apelado com você antes, eu não quis dizer que não me importo com você mesmo. É que você é muito inocente e os caras aqui são muito sem noção.
- Na verdade eu que te devo desculpas, mas é que eu não sabia do ônibus e também não tinha como ligar.
- Mas você não tem o número daqui de casa e dos nossos celulares?
- É que eu não tenho celular e fiquei sem graça de comentar com sua mãe que eu tava sem dinheiro até pra comprar um cartão telefônico – expliquei a Otávio muitíssimo sem graça, não queria compartilhar meus apertos com ninguém para não preocupá-los.
- Nossa! Por que você não falou nada?
- O pessoal lá de casa não sabe que eu estou sem dinheiro e ainda vou começar a procurar um emprego aqui e eu não quero preocupá-los, por isso não falei nada pra eles e nem pro pessoal da sua casa.
- Ou! Que isso, você devia ter falado! Bom, eu tenho um colega que tem um irmão que é coordenador administrativo lá na escola, se você quiser posso tentar arrumar um bico pra você lá.
- Nossa Otávio, eu to até sem palavras – corri e o abracei.
Nessa hora Vera apareceu na porta do quarto e nós dois nos largamos com cara de bobos sem graça.
- Que milagre é esse? Vocês não eram arque rivais até hoje na hora do café da manhã? – quis saber.
- É que eu tenho que te contar o que aconteceu hoje – falei com intenção de me explicar pelo que ocorrera mais cedo.
- E o que aconteceu de tão importante?
- É que a Cléo perdeu o ônibus e nós nos desencontramos por que eu tinha trocar uma idéia com meus colegas, mas consegui achar ela no ponto, aí eu Tava justamente falando que se ela quiser eu posso pegar ela todo dia depois do serviço, eu saio a tempo e passo lá em frente mesmo – se apressou em responder, Otávio.
Vera olhou para mim esperando uma resposta e Otávio deu um piscadinha, aí eu entendi na hora e resolvi confirmar sua versão da história.
- Que bom para os dois! Lucas vai ficar contente em saber, ele estava realmente preocupado com você sozinha por aí Cléo – falou tia Vera – E agora vamos todos descer para jantar, pois vocês dois estão com uma cara de fome que está dando dó!
Depois desse dia o tempo foi passando sem nada de excepcional, na escola fui fazendo mais amizade com o grupo do primeiro dia e via de vez em quando Cauã passar e apenas acenar com a cabeça de leve, eu estava tão constrangida pelo incidente do outro dia que nem ousei procurá-lo além do mais, Otávio me buscava todos os dias depois da aula, nossos diálogos ainda se limitavam a piadinhas sem graça e a ficarmos ouvindo música na volta para casa. Quanto ao estágio, Otávio mexeu seus pauzinhos e no início do próximo mês sairia uma vaga no achados e perdidos.
Otávio falou que era um serviço meio ruim, as pessoas costumavam pegar no pé de que trabalhava lá, mas... Já estava acostumada a ser zoada e como a situação estava preta é lógico que fiquei muito grata pela vaga.

Cap. 4 >>> Um serviço e quem sabe um encontro?



No primeiro dia de serviço fui logo percebendo que se tratava mesmo de uma chatice. Consistia basicamente em ficar enfurnada em uma salinha mal arejada recebendo as coisas mais inúteis do mundo que eram recolhidas por funcionários e alunos e, aguardando que o dono fosse buscar o que perdera, ou em alguns casos “investigar” o máximo possível sobre o objeto para que se descobrisse o dono a fim de entregar o que lhe pertencia. Em suma... Um grande SACO!
Acho que a parte pior era o uniforme que consistia em uma calça de tectel super larga na cor marrom claro, uma camiseta enorme branca e para piorar um avental marrom com os seguintes dizeres:
“Achados & Perdidos, nos sabemos o valor das coisas!”
Como as aulas começavam as 11:00 h e meu serviço era de 07:00 h às 10:30, não dava tempo de ir para casa me trocar, então na maioria das vezes eu ia para sala de aula com a calça de tectel e a camisetona branca. Um verdadeiro show de horror, que rendia boas risadas de muitas pessoas das outras turmas que esbarravam comigo no corredor ou quando dividiam os laboratórios com minha turma, sem falar na vergonha maior que era ter que encarar o refeitório lotado e eu com a mesma roupa quase todos os dias!
No inicio do segundo trimestre em que tudo estava uma mesmice, fui surpreendida em plena sexta-feira na hora do almoço por ninguém menos que Cauã. Ele estava ali lindo como sempre recostado na parede do corredor, eu muito distraída virei o corredor e levei um susto quando parei para reparar que ele estava parado com um sorriso me avaliando.
- E ai Cléo! Você anda tão ocupada ultimamente que não pode mais falar comigo, é a vergonha que não deixa ou é seu primo que impede? – ele me perguntou em um tom irônico.
- Eu? – corei, lógico – um pouco de cada uma menos a que se refere ao meu primo, é mais a parte da vergonha mesmo.
- É, imaginei que fosse isso mesmo, mas para quebrar o gelo de uma vez por todas tenho uma proposta.
- Que proposta???
- Vamos dar uma volta no parque comigo? Parece o tipo de passeio que você gostaria para um primeiro encontro.
Gelei! Ele o Deus grego estava ali mesmo parado na minha frente me convidando para um agradável passeio no parque, um ENCONTRO?
Aquele sorriso lindo realmente me derreteu como ele podia ser tão confiante de falar que seria mesmo um encontro sem medo de levar um fora meu? É claro que eu estava com um escrito de todo tamanho na testa informando “to a fim”, imaginei.
- É clar, quer dizer, eu acho que vai ser interessante – respondi tentando não mostrar muita empolgação – que dia?
- Como assim?!? Agora ora! Vamos embora...
- Mas eu estou no meio da aula!
- É pegar ou largar, vamos nessa?
Ele se aproximou de mim, senti todo meu rosto pegar fogo meu olho não conseguia se desviar dele, parecia que estávamos em câmera lenta e quando ele chegou pertinho me pegou pela cintura, eu senti o ar indo embora e não sei como explicar mas automaticamente me aproximei o rosto do dele e nos beijamos! Eu pude sentir o calor de sua respiração, seu beijo era quente, molhado e simplesmente envolvente.
Não sei por quanto tempo durou, mas quando paramos de nos beijar eu abri de leve o olho e vi seu sorriso, ele não se afastou do meu corpo, continuamos ali nos olhando abraçados até que ele retirou uma mecha de cabelo que caíra em meu rosto e perguntou:
- Você vem comigo ou não?
A resposta é claro que não precisa nem de falar né? Rsrs eu simplesmente me deixei levar. Quando entramos no carro eu me sentia leve e ele pousou suas mãos em minha coxa como se eu já o pertencesse. Passamos toda à tarde no parque praticamente um hipnotizado no outro, ele me perguntava muitas coisas sobre mim, mas quase nunca falava dele. Eu notei que ele trazia um cordão no pescoço muito engraçado onde havia uma espécie de vidrinho com uma coisa vermelha dentro parecendo sangue.
- Cauã, que cordãozinho engraçado! Isso aí dentro parece sangue, onde você o comprou?
- É uma história muito longa e chata vamos deixar para outro dia né?!
Neste instante ele passou a sua mão em minha nuca e me puxou para perto de seu rosto, seus lábios percorreram os meus olhos, minha bochecha e ao redor da minha boca. Senti todo o meu corpo afrouxar e ele delicadamente me beijou fazendo meu mundo rodopiar. Eu obviamente me atrasei, mas liguei para o Otávio e para minha tia e disse que estava com umas amigas no shopping.
Cheguei em casa com a impressão de que tudo estava surreal de mais, ainda estava tentando digerir a idéia de ter ficado com um deus grego como Cauã, não sei se é possível mas só depois fui perceber que desde aquela tarde eu já estava completamente apaixonada e disposta a viver cada segundo possível com o Cauã. Infelizmente cada segundo incluía o horário de serviço, muitas vezes, ou o horário de aula. Nós passamos a nos encontrar todos os dias, mas por algum motivo Cauã nunca ficava muitos minutos perto de mim na escola, só quando já estávamos em um lugar bem distante. Eu queria tanto estar com ele que nem me preocupava com isso até que uma tarde vi uma cena muito estranha no corredor entre Cauã e um dos seus amigos “barra pesada” um loirinho chamado Charles. Eu me escondi em uma parede e observei assustada, cada um agarrava violentamente o outro na altura do pescoço e Cauã pressionava o colega contra a parede.
- Eu sei que você está envolvido com aquela garota, você tem sorte de eu ter evitado que os outros soubessem! – gritava Charles.
- Eu me envolvo com quem eu quiser!
- O problema é que eu te conheço e sei que para ficar com ela você precisa revelar o nosso segredo.
- Eu tenho certeza só de uma coisa, mesmo que eu não fale nada eu não quero mais estar envolvido nisso, acabou! Para mim não faz mais sentido algum essa baboseira!
- BABOSEIRA! – Charles empurrou Cauã violentamente para longe dele.
Os dois ficaram se olhando e respirando intensamente até que Cauã arrancou com toda força seu cordão o jogou no chão e pisou em cima do vidrinho que se partiu no mesmo instante deixando que as pequeninas gotas de sangue virassem apenas um borrão vermelho no chão. Depois ele virou de costas e começou a caminhar, Charles ficou louco, transtornado e gritou uma coisa que ecoa nos meus ouvidos até hoje...
- Você está morto, morrrrrrrto!
Percebi que Cauã vinha pro meu lado, corri e entrei no banheiro feminino. Eu estava muito assustada queria saber o que estava acontecendo, que segredo era esse e o que ele decidira parar de participar. Tentei me recompor para ir à sala de aula assistir o próximo horário até que no fim da aula eu já estava mais calma, mas, não menos curiosa. Estava andando no sentido do ponto de ônibus quando alguém chegou me abraçando, era Cauã.

Cap. 5 >>> A promessa


- Amanhã vai ter uma festa na minha casa, e queria te convidar para ir comigo, se você me prometer que não vai ficar com vergonha e nem vai usar esse uniforme do achados e perdidos! – me perguntava Cauã como se nada tivesse acontecido mais cedo.
- E ai topa ou não Cléo?
- Ah, é bem, eu não estou acostumada a ir a festas, mas acho que pode ser legal...
- Beleza! Te pego amanhã às 22:00 h, então vou indo que tenho uns assuntos para resolver e já perdi minha tarde inteira de bobeira aqui na escola! Até mais...
Morena que observava de longe foi logo se aproximando e quis saber por que eu estava com aquela cara.
- Cléo! Que isso, a gente te deixa sozinha por uns segundinho e você arruma logo um Deus Grego desses! Como é que você fez? Rs rs rs
- Na verdade a gente já estava saindo a um tempinho e agora acho que ele quer assumir em público, daí ele veio me convidar para a festa que vai rolar amanhã – expliquei ainda sem fôlego.
- É a festa na mansão da rua 12?
- É sim, parece que é na casa do Cauã. Por que? – eu quis saber.
- Que bom! Por que eu o Gustavo e a Carla vamos também, só que não acompanhados como você!
Nós rimos e fomos atrasadíssimas para o ponto de ônibus onde o Otávio sempre me buscava. Morena não me disse por que havia atrasado, mas eu imaginava o porquê, ela sempre tinha muitos rolos e às vezes precisava até se esconder de um de seus fãs.
Quando Otávio chegou estava com uma cara meio séria que não condizia muito com seu ar gozador, e eu estava ainda no mundo das nuvens com tudo que acontecera e nem dei idéia para ele por isso.
- Põe o cinto aí, Cléo, ou eu vou ser multado por sua causa – ele falou com um tom de voz amargo que me preocupou.
- Nossa! Desculpa Otávio, ei! Você tá bem? Parece que aconteceu alguma coisa!
- É, deve ser por que eu não dou sorte mesmo!
- De que você tá falando?
- Da minha droga de vida Cléo, de nada, só das coisas sem graça que acontecem e que eu dou azar sempre. Mas aqui você tá muito no mundo da lua o que quê pegou?
 - Ah! Eu? Nada, é só que fui convidada para uma festa que vai rolar amanhã...
- Ah só! E você vai com quem? Aquele otário da carona por acaso?
- É o mesmo cara, só que sem a parte do otário – respondi.
- Quer dizer que eu estava suspeitando corretamente! – me acusou Otávio.
- Como assim??? – Fingi de desentendida, é lógico.
- Eu sabia que você andava se encontrando pelas escondidas com esse marginal!
- Ele não é desse jeito! – gritei sem perceber.
- É sim! Você não sabe de nada, eu conheço a turminha deles e sei que estão metidos em uma serie de coisas de arrepiar!
- Você não tem nada haver com a minha vida, não pode agir como se mandasse em mim e eu saio com quem eu quiser – gritei tudo isso na cara dele, infelizmente estava tão apaixonada que não admitia que ninguém falasse do Cauã.
Otávio deu uma freada brusca no carro, o que me assustou bastante e me olhou de um jeito que eu nunca mais me esqueci, um olhar sério de homem com o orgulho ferido.
- Escuta bem isso, eu nunca, nunca mais vou te alertar, você não nasceu aqui, você não convive com os garotos daqui e não sabe a podridão que pode estar escondida por trás das caras bem intencionadas como a dele, mas você é sabichona não é! Você não sabe nada da vida e infelizmente não vou ser eu que vou conseguir evitar que você aprenda na marra! Agora vou te deixar em paz e você faça o que bem entender daqui para frente!
Assim ele voltou a acelerar o carro, e o silêncio passou a ser uma barreira entre nós por um tempo bem maior do que eu gostaria admitir. Otávio amarrou ainda mais a cara, mas nesse momento a única coisa que martelava a minha mente era como eu ia me vestir e como perguntaria o que estava havendo para o Cauã sem que ele notasse que eu tinha assistido o episódio em que ele rompera com seus amigos por causa de mim. Por sorte quando chegamos em casa Lucas estava lá, e já foi logo me abraçando apertado e me pedindo para contar as novidades. Comentei que eu tinha sido convidada para uma festa e estava preocupada com a roupa que iria usar. Lucas disse que não manjava nada me moda para poder me ajudar, mas que eu devia pedir ajuda a tia Vera, pois ela entendia muito bem dessas coisas. Fiquei hiper feliz e agradeci o Lucas até!
Vera me levou ao shopping e começamos a busca incansável pelo modelito mais indicado, ou seja, o que já vinha escrito na etiqueta “Vestida para arrasar, esta roupa te ajuda a agarrar o cara em trinta segundos” – estou exagerando um pouquinho só, mas é mais ou menos por aí – foi então que entramos em uma loja verdadeiramente abençoada! Encontramos um vestido que ficava bem justo e no tamanho certo (provocante é claro!) na cor preta, acompanhado por uma meia fina canelada e um escarpam chiquíssimo de fundo vermelho. Bom, digamos que eu estava me sentindo totalmente esquisitona, mas os espelhos me diziam que eu tinha dado uma passadinha pela casa da fada madrinha, e que ela havia feito um bom trabalho! RS RS RS
Chegamos em casa e eu estava verdadeiramente morta! A escola estava começando a ficar apertada e... Tinham acontecido tantas coisas emocionantes na minha vida desde comecei a ficar com Cauã que eu só queria tomar uma ducha e desmaiar para o dia seguinte chegar mais rápido. Sonhei com o Cauã é claaaro, mas uma coisa engraçada foi que no final do sonho eu estava frente a frente com o Otávio e eu sentia uma enorme pena e preocupação com ele, pois ele estava com a mesma cara amarrada e indignado com a vida como estivera no carro. Acordei um bagaço no sábado me sentindo extremamente culpada por estar tão preocupada comigo no dia anterior que nem me dei ao trabalho de tentar ajudar o Otávio, mas quando desci correndo para a copa ele não estava lá e a empregada (Lurdinha) me informou que ele saíra bem cedinho. Bom, eu teria que esperar para me desculpar com ele... 
O dia transcorreu normalmente, tirando a minha ansiedade e o estranho fato do Otávio sumir o dia todo. Quando finalmente chegou a hora da festa tia Vera já tinha feito seu milagre e me transformado em uma pessoinha que nem eu mesma conseguia reconhecer! Cauã passou em casa exatamente as 22:00 horas como combinamos.
- Nossa você está simplesmente de matar! – ele disse e passando as mãos em meu cabelo, olhou em meus olhos e me beijou demoradamente, em seguida tratou de completar - já tem gente à beça lá em casa, mas dei essa fugidinha por que eu queria que todo mundo me visse chegando com você.
Dei uma risadinha sem graça já sentido toda a pressão que estava implícita no fato de eu entrar na festa e ser apresentada como sua namorada. Mas o que eu não sabia ainda é que nós dois nunca mais chegaríamos juntos em festa alguma.
Passamos por um cruzamento e viramos uma rua escura que dava acesso mais rápido a sua casa, andamos uns cem metros e de repente alguém se projetou na frente do carro fazendo com que o Cauã cantasse pneu ao frear o carro. O cara tinha uma toca preta no rosto e começou a se aproximar de nós, imediatamente um carro parou atrás do nosso e outro veio acelerando virou repentinamente e parou na nossa frente, eu só tive tempo de pensar uma coisa, “vamos ser assaltados” – mas como eu estava errada!
Eu estava assustada, três caras vinham em nossa direção, dois pararam na janela do cauã e um na minha. Cauã manteve a calma e sussurrou para mim:
- Quando eu sair do carro você aperta o pino da porta e liga para a polícia, não importa o que acontecer comigo não distraia ligue e tente ficar agachada entre o banco e o painel.
Eu queria gritar feito louca, o prender em meus braços e não deixar que ele fizesse essa loucura mas nada saiu da minha garganta a não ser um estranho “ok”. Assim que ele abriu a porta tive o reflexo imediato e apertei o pino, o cara do meu lado tentava abrir a porta e ficou me olhando, eu me agachei, mas cometi o terrível erro de ficar tentando ouvir e ver o que acontecia lá fora. Cauã tomou um soco no rosto e meu coração começou a bater tão forte que eu mal conseguia respirar, ele desmaiou e foi sendo arrastado para o porta malas do carro da frente, foi então que eu me lembrei de pegar o meu celular na bolsinha de mão que estava no compartimento da porta. Mas neste instante eu ouvi um barulho e um monte de vidro se espalhou sobre mim provocando pequenos cortes, uma mão abriu o pino da porta por dentro e me puxou pelo cabelo.
Eu me debatia violentamente, mas não havia mais nada que eu pudesse fazer... Eu estava sendo arrastada pelo cabelo pela calçada gritando ferozmente mais ninguém me ouvia.
- Você acha mesmo que com uma festa barulhenta rolando lá no alto da rua alguém vai te ouvir? – o cara mascarado me perguntou e soltou uma risada desprezível.
Eu fui jogada em um porta malas também e tudo que eu conseguia pensar era no Cauã. Depois disso devo ter desmaiado, pois, só fui acordada quando alguém me puxou pelo braço e me tirou do carro. Por um único momento achei que tinha sido salva, mas era uma doce ilusão, eu estava sendo arrastada para dentro de um cemitério, com meu coração a mil. Eu estava toda arranhada e dolorida, na minha frente tinha um tumulo gigantesco parecendo uma capelinha lá dentro havia uma espécie de laje bem larga que cobria onde provavelmente estava o caixão do falecido, sob o túmulo havia um anjo enorme, velas pretas e vermelhas estavam posicionadas ao redor da lápide.
Sete caras de toca preta aguardavam próximo ao tumulo, eu fui jogada na laje um cara cortou minha mão e todos pronunciaram algumas palavras, eu tentei correr, mas fui barrada por um soco na boca do estomago, com uma fina agulha eles começaram a costurar minha boca ao mesmo tempo em que continuavam a pronunciar aquela ladainha assustadora. Com uma espécie de prego cravaram minhas mãos à laje me colocando em posição de crucificação, eu queria gritar de dor, mas quanto mais fazia força para abrir a boca mais eu morria de dor, afinal ela estava costurada!
 Senti meu sangue jorrando para fora do meu corpo, eu estava aterrorizada, sentia minha vida escapar como um fio e, neste momento compreendi que eu estava sendo oferecida ao outro mundo como uma espécie de sacrifício. O cara principal bebeu o sangue que havia tirado de minhas mãos e o passou para os outros, quando acabaram todos disseram “à Samael” e se retiraram lacrando o túmulo com uma pedra pesadíssima.
Eu senti meu corpo ser irradiado por um último fio de raiva e supliquei aos céus mentalmente.
- Deus tenha piedade de mim, por favor, senhor não me deixe morrer aqui desse jeito. Senhor, eu prometo que se me salvar eu vou lutar até o fim dos meus dias para combater todo tipo de mau que existe nesse mundo!
Nesse mesmo momento tudo se apagou, eu apenas consegui sentir um sopro de vento com um delicioso aroma de flores na minha direção e uma voz disse ao meu ouvido.
- Promessa aceita, tem alguém lá em cima que realmente estima a sua pessoa e até mantém um guardião ao seu redor! Que seja – risadas - Eu lhe concedo o faro.
Senti a dor se suavizar olhei de relance para frente e não acreditei no que via, o anjo de mármore parecia estar voltando a sua habitual posição sobre a lápide. É claro que eu tinha certeza de que estava surtando, mexi meus braços e notei que no local onde houvera os pregos havia somente uma marca aberta de uma incisão não muito profunda a ponto de atravessar para o outro lado, eu abri a boca de sobressalto e me assustei ainda mais por ela não estar costurada, não pude suportar a pressão que sentia em meus pulmões e desmaiei.

Cap. 6 >>>Renascida



Abri os olhos devagar e tive dificuldade em me acostumar com a claridade que estava ao meu redor. Eu estou no céu – pensei – mas não era nada disso, eu estava em uma cama de hospital. Olhei lentamente ao meu redor, fazendo uma espécie de varredura no ambiente até que percebi que havia alguém ali do meu lado, meu coração parou de arrependimento... Era Otávio. Ele estava dormindo recostado em uma cadeirinha pequenina, sua aparência era de cansado. Na mesinha ao seu lado havia flores amarelas e vermelhas muito vivas e bonitas, mas, nem elas conseguiram suavizar a dor no meu coração.
Eu estava profundamente triste, pois, sabia que antes do que acontecera comigo eu havia brigado com o Otávio e agora ele estava ali ao meu lado esperando por minha recuperação, além do que ele havia me alertado para que eu fosse mais cuidadosa já que a cidade oferecia muitos perigos, e eu ignorei – é claro – todos os seus toques.
Mas o que estava sufocando meu coração e estava prestes a pular da minha boca era só um único nome...
- Cauã! – gritei com toda força que pude juntar e ao mesmo tempo me sentei na cama.
- Cléo! Que bom que você acordou tá sentindo dor em algum lugar? – Otávio quis saber se debruçando sobre mim, mas antes que eu pudesse responder ele já foi logo falando – Quer saber acho mesmo que você tá ótima, já tá ate procurando aquele idiota de novo.
Olhei para ele sem jeito, eu sabia que ele não gostava do Cauã, ele tinha ficado ali num hospital ao meu lado e a primeira coisa que falo perto dele é logo do Cauã. Tentei feito idiota corrigir minha atitude, olhei para ele e sorri, mas antes que eu abrisse a boca ele se levantou e foi saindo.
- Vou embora, sua mãe já deve ter chegado...
- Otávio, espera!
Chamei por ele, mas ele foi saindo e me restou apenas encarar o vazio que ele deixou no quarto. Por um momento viajei pensando em Cauã quando de repente minha mãe entrou no quarto.
- Oi querida! Graças a Deus você está bem! – ela se aproximou e me beijou a testa.
- Oi mãe, eu estou bem!
- Cléo, o que aconteceu minha filha te acharam saindo da mata toda suja e rasgada segurando o colar de um tal de Cauã. Quem é esse rapaz?
- Ele era meu namorado, eu acho...
- Ele tentou fazer alguma coisa com você? Você agiu em legitima defesa né?
- Eu fiz o quê? Espera aí mãe, que conversa estranha é essa? Cadê o Cauã?
- Ô minha filha eu sinto muito, ele foi encontrado morto perto do lugar onde você estava na mata.
Não pude suportar, me senti sufocada, as lágrimas começaram a surgir nos meus olhos antes que eu pudesse perceber, desabei a chorar.
- Querida você precisa ser forte e me contar a verdade, temos que saber tudo que aconteceu naquela noite.
- Como assim naquela noite? Foi ontem mãe! – falei sem entender nada que estava acontecendo.
- Querida você está no Hospital há sete dias...
Como podia ser, eu tinha apagado não me lembrava de nada e já haviam se passado sete dias, foi então que percebi que o Cauã já havia sido enterrado sem que eu fosse em seu velório para me despedir e me desesperei.
- Eu nem pude me despedir, nem tive como dizer adeus antes dele ser enterrado.
- Querida mesmo que você estivesse lúcida você não poderia ter ido, a família dele não ia querer.
- Por que mãe! O que eles tem contra mim, eles nem me conhecem!
- Cléo, você é a principal suspeita do assassinato do Cauã!
Senti que o mundo havia parado, meu coração deu um pulo. Por isso Otávio estava tão irritado ao ouvir o nome do Cauã, era isso que minha mãe estava tentando me explicar esse tempo todo, por isso esse papo de legítima defesa.
- Cléo conta para mim tudo que aconteceu aquela noite – pediu minha mãe em tom de súplica.
- Mãe eu e o Cauã estávamos indo de carro para a festa da casa dele, no caminho apareceu um cara encapuzado na frente do carro e nós paramos, veio mais dois carros atrás de nós. Eles bateram no Cauã e o jogaram em um porta malas, depois me arrastaram pelo cabelo até outro porta malas, depois disso só me lembro de acordar em cima de uma lápide no cemitério... Tinha umas pessoas envolta de mim falando uma coisas estranhas, tinha umas velas acesas eles furaram as minhas mãos e costuraram minha boca e, depois disso eu devo ter desmaiado por que não lembro de mais nada.
- Filha, você não tem nenhuma marca na sua mão e nem em seu rosto querida.
- Mãe eu tô falando tudo que aconteceu e me lembro! Você tá duvidando de mim?
Minha mãe me olhou com aquela cara de ofendida e disse:
- De forma alguma! Eu só estou tentando entender o que aconteceu.
Virei para o lado da janela e ficamos em pleno silêncio durante um tempo até que minha mãe explicou que eu precisava prestar depoimento ao detetive. Ela me disse que queria que eu fosse embora com ela, mas que eu não podia sair da cidade enquanto as investigações não acabassem. Segundo ela tia Vera e todos na casa dela estavam convictos de que você era inocente e não queriam que eu partisse de forma alguma. Assim no dia seguinte recebi alta e voltei para casa de Vera.
- Querida quero que saiba que todos estamos do seu lado para o que você precisar, qualquer coisa! – falou tia Vera.
- Eu sei tia, mas, no momento estou muito cansada e confusa. Gostaria de ira para o meu quarto tomar uma ducha.
- Claro Cléo, vou preparar um lanche pra você.
- Brigado tia – dei um longo abraço em Vera e subi até o meu quarto me perguntando onde estaria Otávio.
Entrei no quarto e me senti impressionantemente aliviada por me sentir em casa. Entrei no chuveiro e só então veio a minha mente pouco a pouco as lembranças boas com Cauã que foram substituídas uma a uma com as imagens de horror daquela noite, e foi então que permiti me sentir fraca pela última vez e, não pude me conter, ali mesmo debaixo da água desabei a chorar. Não sei por quanto tempo fiquei ali silenciosamente desesperada, mas a última coisa que me lembro é de me aninhar na cama acabada, foi então que ouvi um ligeiro bater na porta. Eu quis ignorar, mas depois me lembrei que poderia ser o lanche que tia Vera carinhosamente me prepara e achei melhor não ser indelicada, então me levantei suavemente a abri a porta. Tive que virar a cabeça para o corredor para ver quem estava saindo, era Otávio.
- Ei! Você que estava batendo aqui? – eu quis saber.
Quando Otávio se virou estava com uma aparência horrível de cansado, mas trazia em suas mãos uma bandeja cheia de frutas e lanches saborosos, mas pude perceber que ele estava ligeiramente ruborizado.
- Ah, er oi! – falou ele sem jeito – eu vi a Lurdinha passando com a bandeja e pedi a ela que deixasse que eu trouxesse o lanche para você, então é isso.
- Nossa valeu, entra aqui para você me ajudar a comer esse lanche e deixar sua mãe satisfeita – rimos juntos de maneira inocente.
Ele entrou meio sem jeito, eu arredei o edredom chamei-o para sentar na minha cama. Ele depositou sobre ela a bandeja se sentando de um lado e eu do outro, eu me sentia tão mal pela forma que havia despertado no hospital que eu estava mesmo sem jeito.
- Olha aqui preste a atenção eu não tive a intenção de ser ingrata com você depois de você ter estado do meu lado no hospital – tentei parecer o mais franca possível – mas como eu estava despertando tive o impulso de gritar movido pela minhas últimas lembranças, espero que você me perdoe.
- Cléo, eu fui infantil não tinha direito de despejar em você toda a raiva que eu estava sentindo da situação que aquele idiota te colocou, além do que eu já estava sabendo que as pessoas estavam culpando você pelo ocorrido. Então sem pensar em mais nada quando você despertou depois de tanto sofrimento você ainda foi chamar logo por ele eu fiquei totalmente descontrolado e saí de lá daquela forma idiota. Você não tem que me pedir perdão.
- Mas eu não quero que a gente fique estranho um com outro – supliquei – você é importante demais pra mim para eu te perder também.
- Você não sabe o quanto eu me sinto feliz em ouvir isso, por que eu também espero que a gente fique cada vez mais de boa.
Então ele pegou um cacho de uva enfiou todinho na boca e perguntou o que a gente estava esperando para devorar tudo. Eu ri gostosamente e esqueci-me de tudo naquele momento, nós fomos comendo falando sobre o quão a comida estava deliciosa e de como eu estava com a aparência de morta no hospital. Foi um daqueles momentos únicos de paz e cumplicidade. Envolvemos-nos tanto que quando assustei ele estava coma as mão nos meus quadris me aplicando uma deliciosa cessão de cócegas, fomos rindo e nos aproximando e aproximando que quando abri os olhos ele estava a centímetros do meu rosto, sua respiração forte me atingia ele estava debruçado sobre mim me senti hipnotizada pelo seu o olhar profundo. Ele continuou sustentando seu olhar até que o desviou para minha boca, eu automaticamente passei a língua sobre meus lábios e então ele me beijou e forma doce, sua língua passeou sem pressa em minha boca, eu não conseguia pensar em nada apenas sentia que seu beijo era tão maravilhoso que eu de repente queria beijá-lo, ferozmente deixei meus braços envolverem suas costas largas amarrotando sua blusa, suas mãos deslizavam sobre meus quadris e nos simplesmente nos beijávamos, eu me virei e fiquei sobre ele enquanto ainda nos beijávamos. Meu cabelo caia sobre seu corpo enquanto eu era puxada para ele como se não houvesse mais nada no mundo, até que minha cabeça rodopiou e eu abri os olhos e me saltei de cima dele num sobressalto.
- Ai meu Deus! Que que foi isso eu devo estar louca ter batido forte com a cabeça, o que eu estou fazendo! – falei desesperada.
- Eu er desculpa! Não queria te pressionar a nada – ele falou passando as mãos pela nuca e pelo cabelo – Eu acho melhor eu ir, acho que não estou fazendo nada bem pra você.
E foi assim que ele saiu me deixando ali coma respiração exaltada, sem saber o que pensar o que tinha sido aquilo e por que eu tinha me sentido diferente como se só aquele momento realmente importasse e se cada pedacinho de mim precisasse estar perto dele de qualquer forma que fosse. Eu estava louca ele era meu primo chato, ele era MEU PRIMO, e pior eu estava até antes do banho apaixonada e desesperada por não ter mais o Cauã, quer dizer eu ainda era apaixonada por ele, eu sempre seria não é? Não é?
No meio da confusão que ficou na minha cabeça eu me senti exausta e adormeci. Sonhei com o Cauã se despedindo, com o anjo me dizendo que eu tinha um guardião e com o Otávio me beijando, era tão bom que eu estava sentindo como se fosse real e eu precisava de um pouco mais daquele calor que subia pelo meu corpo eu estava envolvida e queria ir mais além e então veio em minha mente que isso não estava certo e quando abri de leve os olhos eu vi minha tia ali debruça sobre mim. Tomei o maior susto.
- Desculpa Cléo, mas eu precisava te acordar o detetive está aqui em casa para colher seu depoimento.
- Nossa que dia é hoje? – eu quis saber.
- É domingo querida. A julgar pela badeja vazia você devia estar com um apetite sobrenatural ontem hein?
Nesse mesmo instante vi a bandeja vazia caída no chão e me senti culpada por ter tido “aquele” pequeno episódio no dia anterior com Otávio, ou melhor, com o filho de tia Vera, ai meu Deus, com meu primo!
- Você está bem Cléo? Está com um olhar distante – quis saber Vera.
- Ah er sim sim está tudo bem! Fala para o detetive que eu já vou descer, é a conta de me trocar.
Depois de vestir um vestidinho – eu estava morta de preguiça de procurar pares de roupas – eu passei pelo corredor em frente o quarto de Otávio a porta estava entreaberta eu espiei de leve, mas não valeu de nada ele não estava lá. Continuei pelo corredor pensando em onde ele poderia estar, desci as escadas e lá estava o teatro armado na sala, minha tia frente a frente com o que deveria ser o Detetive e seu parceiro tomando cafezinho servido por Lurdinha. Eu respirei fundo e continuei descendo quando cheguei a sala Vera fez as apresentações cabíveis, perguntou se eu queria beber alguma coisa, eu fiz negativo com a cabeça, eu não tinha mais saída, aquele era o momento eu teria de responder algumas perguntinhas.

Continua...